REVELAÇÃO

               
REVELAÇÃO= apo (preposição, retirar) kalufz / kaluptw (verbo, esconder) = descobrir , tirar o véu. É algo que já existia e começa-se a apresentar.

1.    INTRODUÇÃO[1]
A primeira carta de São Paulo a Timóteo diz que Deus, “habita em luz inacessível”, entretanto nos diz o Catecismo da Igreja Católica que, “Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e tornar conhecido o mistério da sua vontade” [2]. Disto pode-se deduzir que Deus se manifesta de modos diferentes:
a)    O humano tem a possibilidade de descobrir e conhecer Deus em virtude da sua natureza espiritual e racional. Esta revelação é um chegar a Deus através da criação de uma maneira racional (cf. Sb 13, 1-15; Rm 1, 19-20; CIC 50).
b)    Mediante modos acessíveis ao humano apenas pela via sobrenatural (fé), isto é, pela manifestação do Mistério escondido em Deus (1Cor 2, 7-10; CIC 50).

2.    ALGUMAS OBJEÇÕES EM RELAÇÃO À REVELAÇÃO

a)    Ciência: questiona se há mesmo um Deus. Já a partir do séc. XVI a Igreja travará uma longa luta contra a ciência.
b)    Credibilidade: isto é, já fazem mais de 2000 anos da mensagem de Jesus que contemplava palavra sobre o amor, a justiça, o perdão, entretanto não existe nenhuma civilização com estas características.
c)    Diálogo: na história não há um reconhecimento de outras culturas por parte da Igreja, soma-se a isso o fato que se o Evangelho é uma Boa Notícia assim não se apresentou para os povos indígenas, negros, mulheres, etc.

3.    DESAFIOS DA MODERNIDADE A REVELAÇÃO

a)    O Império da razão: reivindica a razoabilidade, isto é, busca a dimensão meramente racional, tudo deve passar pelo crivo da razão, mas a revelação exige um salto a mais, que é a dimensão misteriosa (fé).
b)    Discurso da liberdade: reivindica a liberdade de viver, por exemplo, ser livre para escolher ou não uma religião, dizer sim ou não à Deus.
c)    Busca da Felicidade: reivindica a busca da felicidade a partir do ponto de vista subjetivo, uma felicidade centrada em si mesmo.
d)    Reflexos da modernidade: muitas contradições é isto que ocorreu durante todo o discurso da modernidade, como por exemplo:
d1) séculos IX – XV = cristandade (fé, a religião é o centro);
d2) séculos XVI – XX = modernidade (razão, o homem é o centro);
d3) séculos XX – XXI = pós-modernidade (crise, tudo é relativo).


4.    A PEDAGOGIA DIVINA E AS NECESSÁRIAS ETAPAS NA COMPREENSÃO DO PROJETO DE DEUS.

ü  Sl 137,9; Nm 33; Ex 11. Como entender esses textos? Em face de aparente discrepância entre os dois testamentos. Veja que nos diz o texto do Concílio Vaticano:

Os livros do Antigo Testamento, em conformidade com a condição do gênero humano dos tempos anteriores à salvação realizada por Cristo, manifestam a todos o conhecimento de Deus e do homem e os modos pelos quais o justo e misterioso Deus trata com os homens. Estes livros, embora contenham também algumas coisas imperfeitas e transitórias manifestam, contudo, a verdadeira pedagogia divina (DV 15).

Nesse sentido se faz necessário usar alguns recursos que possibilitem aproximar-nos o mais perto possível de Deus que se revela a humanidade usando mediações humanas conforme nos fala o documento da Dei Verbum:

Na redação dos livros sagrados Deus escolheu homens, utilizou-se deles sem tirar-lhes o uso das próprias capacidades e faculdades, a fim de que, agindo ele próprio neles e por eles, consignassem por escrito, como verdadeiros autores, aquilo tudo e só aquilo que ele próprio quisesse.  Portanto, já que tudo o que os autores inspirados ou os hagiógrafos afirmam deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, segue-se que devemos confessar que os livros da Escritura ensinam inconcussamente, fielmente e sem erro a verdade que Deus para nossa salvação quis fosse consignada por escrito (DV 17-20).

E para melhor compreender esses textos sagrados temos os seguintes recursos:

a)    Exegese: explica; investiga as palavras em sua época;
b)    Hermenêutica: implica o que temos com isso.


4.1.        AS ESCRITURAS COMO PEDAGOGA DA REVELAÇÃO

Mas Deus também nos convida e nos conduz para adentrarmos ao grande mistério do seu amor. Por isso ele utiliza de uma pedagogia[3] muito especial para com seus filhos/as.

Pedagogia = educar (duplo nível)
a)    Primeiro nível aprende (a fazer) coisas = processo repetitivo.
b)    Segundo nível aprende a aprender = processo criativo

No 1º nível quando se erra é uma catástrofe, porque a missão do aluno era apenas repetir o aprendido, não existe espaço para a criatividade, o pensar. A missão, portanto é só copiar. Em relação à Revelação de Deus esse processo se daria com informações absolutas e definitivas sobre Deus, e tudo isso se reflete em entendimentos, decisão moral (vontades), idéias que se tem de Deus. Nesse sentido, os conceitos já estão todos formulados, elaborados, basta ao aprendiz decorar e transmitir.
Já no 2º nível quando se erra é uma motivação para continuar aprendendo, pois na próxima chance se terá a oportunidade para melhorar. Assim sendo, nesse nível se pressupõe o 1º nível e admite-se com virtude o erro e isso impulsiona o aprendiz a caminhar para o verdadeiro conhecimento, em relação à Revelação de Deus, sobre os valores, a família, a cultura. Dessa forma, nesse nível, o conhecimento não está fechado, pronto, mas ao caminhar no mistério de Deus vai se chegando ao verdadeiro conhecimento de Deus.  




4.2.        REVELAÇÃO E PERCEBÇÃO HISTÓRICA

Problemas a serem superados:
a)    Fundamentalismo bíblico – A escritura é revelação. Suas palavras são palavras de Deus; a revelação na acepção fundamentalista é uma forma objetiva do conhecimento de e sobre Deus (concepção objetivista da revelação). A revelação aqui não leva em consideração a antropomorfização, apresenta Deus revelando verdades. Então não podemos conhecer Deus? Somente de forma indireta; a revelação é auto revelação de Deus, é um encontro.
b)    Com o advento da modernidade, a teologia moderna começa a entender a revelação como experiência subjetiva: nesta perspectiva o ser humano é passivo e receptivo sob a influência de uma ação exercida de cima sobre o eu;

Por isso:
a)    A vontade divina de se Revelar: isto é, a auto-comunicação de Deus é total, plena. Deus não se revelou mais para uns e menos para outros.
b)    A Revelação é histórica e maiêutica, porque já existia bastou dar-se conta, aperceber-se. E é histórica porque passa pelas questões humanas de conflitos, guerras, etc. Por isso, ao longo da caminhada se pode experimentar esta Revelação e contemplar, por exemplo, a partir da natureza as maravilhas de Deus.


5.    AS MEDIAÇÕES (ETAPAS, IMAGENS) DA REVELAÇÃO[4]

5.1.1.   Deus terrível (tremendo): 1200 – 900 a.C. (Gn; Ex; Nm).

5.1.2.   Deus da Aliança (providência): 900 – 589 a.C. (profetas, Am, Os, Mq, Is, Jr, Sl, Dt).

5.1.3.   Deus Transcendente (criador): 589 – 200 a.C. (sapiencial, Jó, Ecle, Prov).

5.1.4.   Deus Legislador (justo): 200 – 6 d.C. (Dn, Eclo, Mc, Jn).


5.1.1. 1ª imagem: “DEUS TERRÍVEL” (1200 – 900 a.C.)

·         Esta imagem de Deus está ligada aos poderes sobrenaturais, pois se pensa que existiria fórmulas para canalizar estas forças sobrenaturais para dessa forma, ganhar seus favores.    
·         E qual seria essa fórmula? OS RITUAIS. Dessa maneira, os rituais garantiam o equilíbrio da natureza. É na prática dos rituais que se consegue a confiança da ajuda divina. Portanto, se por um lado, quem praticava os rituais tornava-se puro, por outro lado, os que não praticavam eram impuros.
·         O grande conflito neste momento é a questão ética e não a questão moral.


5.2.2. 2ª imagem: “DEUS DA ALIANÇA” (900 -600 a.C.)

·         Com a profecia bíblica brota uma nova consciência ética, isto é, surge uma maior preocupação nas relações sociais. Os deuses sedentos de rituais já não satisfazem mais. Deus, portanto, nos oferece sua amizade, mas espera de nós um comportamento moral.
·         Os sacrifícios, embora ainda praticados, não são mais vistos como meios de manipulação da divindade ou das forças sobrenaturais, mas sim como aproximações entre a divindade e o povo. Começa-se, pois, a definir os papéis da divindade e da humanidade. A Deus cabe corrigir a natureza e orientar a conduta humana através do bi-nômio: Justiça e Direito (cf. Sl 37), que surge fortemente na literatura profética, ao passo que para a humanidade, cabe a prática da justiça e a promoção do direito.
·         Aqui as condições para se obter os favores divinos não são as práticas ritualísticas, mas sim os princípios éticos.


5.2.3. 3ª imagem: “DEUS TRANSCENDENTE E CRIADOR” (580 a. C.)

·         Frente à dominação babilônica, que culminou com a destruição do Templo de Jerusalém (cf. 1 Rs 8,10-13, morada do Senhor), instaurou-se uma grande crise de identidade religiosa no povo, pois, se o Deus de Israel é aquele que luta com seu povo (Imannuel) o que teria acontecido após aquela catástrofe. Deus teria sido derrotado? Porque ele, Deus, não interveio em defesa da sua gente? Será que Ele não quis, embora pudesse fazê-lo (então, não nos ama mais)? Ou não pode, embora tivesse tentado (então, Marduk, o deus babilônico, é mais forte)?
·         Nesta profunda crise experimentada pelo povo de Israel surge a resposta para tão intrigante questão: o monoteísmo e toda a catequese dos textos de Genesis de 1 a 11.
·         O povo de Israel passa por esse momento por ter se esquecido da aliança estabelecida entre Deus e o povo, e a conseqüência não foi o castigo, a punição imposta por Deus, mas sim uma vida devotada a pratica de imoralidades que por extensão culminou com a grande catástrofe: o exílio na Babilônia
·         O Deus de Israel como o Criador de todos os povos, judeus ou não é o Senhor quem os cria e com eles faz uma Aliança (cf. Gn 9; 17), ainda que esse movimento, da aliança de Deus com os povos, comece do particular (judaísmo), mas desembocará no universal (filhos de Noé).


5.2.4.   4ª imagem: “DEUS JUSTO JUÍZ” ( 200 a. C.)   

·         O grande embate com a cultura grega e todo o perigo que ela representava para a fé monoteísta, através de violenta perseguição que os religiosos piedosos sofriam. A impressão que se tinha, ao menos para alguns, que “salve-se quem puder”, ou ainda, “tanto faz como fez” (Jó 9, 22; Ecle 9, 2-3).
·         Como resposta a essa impressão surge dois fortes movimentos; a) Apocalíptico e, b) Messiânico-escatológico.
·         Enquanto por um lado, a mentalidade apocalíptica trabalha mais com o “fim da história”, como o “Grande e Temível Dia do Senhor”, que virá a terra para julgar o mundo atual e instaurar outro mundo de eterna justiça. Por outro lado, a mentalidade messiânico-escatológico busca a restauração da dinastia davídica como princípio de libertação para todo o povo. E nesse sentido, ganha força a crença na ressurreição dos justos, portanto aqueles que permanecerem firmes na fé serão brindados com a vida eterna ao lado do Senhor.   


  


[1] Apóio-me para elaborar esta apostila no curso de Revelação ministrado pelo Prof. Afonso M. L. Soares, no ano de 1999 onde cursava o segundo ano de Teologia na ITESA.
[2] Catecismo da Igreja Católica nº50
[3] grego paidagogía, -as, educação de crianças. O pedagogo era o responsável para conduzir as crianças até o mestre. Nesse sentido,pode-se dizer que, as Escrituras é a pedagoga que nos conduz ao encontro com Deus.
[4] SOARES, Afonso M. A., VILHENA, Maria A. O mal: como explicá-lo. pp.  53-63. São Paulo: Paulus, 2003.

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