A VERDADEIRA RELIGIÃO


Lessing (1729-1781), poeta alemão da época do Iluminismo, e sua obra “Natan o Sábio”. Dentro desta obra a parábola dos três anéis. Vale a pena ser lida.
A ação se passa em Jerusalém durante a III cruzada (1189-1192). É um episódio onde um judeu que é interrogado sobre a verdadeira religião pelo Sultão (título de honra conferido a príncipes e soberanos muçulmanos) Salahadin e ele, o judeu Natan, responde com a parábola dos três anéis.

Vamos à parábola.

Salahadin: “Eu solicito teus ensinamentos em uma matéria completamente diferente, dado que, aparentemente, tu és tão sábio, diga-me, portanto qual é a fé, qual é a lei que te parece mais luminosa (verdadeira)?”.

Natan: “Sultão, eu sou judeu”.

Salahadin: “E eu, muçulmano. Entre nós, há o cristão. Ora, a verdadeira religião não pode ser senão uma das três. Um homem como ti não permanece fixo em um ponto onde a sorte jogou através do nascimento: ou, se resta, resta consciente, por causa de certas razões, por escolher o melhor.
Vamos! Faça-me, portanto parte de teu pensamento. Faça-me ouvir as razões sobre as quais eu não tive tempo de raciocinar. Faça-me saber, evidentemente em confidência a escolha que estas razões determinaram, para que eu a faça minha. Como? Tu hesitas? Tu me medes com o olhar? Pode ser que eu seja o primeiro Sultão que tenha tal fantasia; fantasia que não me parece, para dizer a verdade, totalmente indigna de um sultão. Não pensas? Então, fala! Explica-te! Ou desejas um instante para refletir? Está bem, eu te concedo. Reflita. Reflita rápido! Eu não tardarei a voltar”.

Natan (sozinho): Hum! Hum! Estranho! O que, pois experimento (digo) eu? Que quer de mim o Sultão? O que? Eu espero dinheiro e ele quer a verdade? A verdade? E a quer, também nua, resplandecente, como se a verdade fosse uma moeda! Sim, se ela fosse ao menos uma velha moeda, daquelas que se valoriza pelo peso! Ainda vai! Mas uma moeda novíssima, que não se pode contar senão no guichê, de fato ela não é isto! Como se põe dinheiro no bolso se introduz a verdade na cabeça? O que, quem é o judeu aqui? Ele ou eu?  Mas o que? Por que ele não exigiria a verdade? Evidentemente abundância de mesquinharia haveria que suspeitar de empregar a verdade como uma armadilha! Isso seria muita mesquinharia? Mas o que é muita mesquinharia para um grande? É certo: ele se introduziu bruscamente no assunto! Ao menos, bate-se na porta, escuta-se primeiramente, quando se aproxima um amigo.  Devo estar seguro de meus pensamentos!  E como? Como fazer isto?  Querer ser judeu a todo preço, não, isto não é possível! E não ser judeu, menos ainda. Pois ele poderia me perguntar, se tu não és judeu, por que não ser muçulmano?  Ah! Eu sei! Eu posso me escapar dessa! Não são somente as crianças que se nutrem com contos de fada. Ele vem. Pois que ele venha!”

Salahadin: (Será que teremos o tempo livre agora?) “O que pensas, voltei muito rápido? Estás invadido em tuas meditações? E então, fala? Nenhuma alma nos ouve”.

Nathan: “E de certa maneira o universo inteiro nos ouviria!”

Salahadin: “Nathan está, portanto tão seguro de seu caso? Ah, eis o que eu chamo um sábio! Jamais calar a verdade! Por se inteiramente por ela! Seus bens e seu sangue!”

Nathan: “Sim, certamente, quando for necessário e útil”.

Salahadin: “Doravante, eu ouso esperar fazer juz a um de meus títulos: o de consertador do mundo e da lei”.

Nathan: “Um bonito título, verdadeiramente! Mas, Sultão, antes de confiar inteiramente a ti, permitiria te contar uma pequena história?”

Salahadin: “Por que não? Eu sempre amei pequenas histórias, bem contadas, é claro”.

Nathan: “Ah sim! Bem contada, não é bem meu caso”.

Salahadin: “Já aparece esta modéstia misturada com orgulho? Vamos, conta, conta!”

Nathan: “Há tantos séculos, no Oriente, vivia um homem que possuía um anel de um inestimável valor, era um dom recebido de uma estimada mão. A pedra era opala, que mil cores se misturavam e ela tinha a misteriosa virtude de tornar-se agradável a Deus e aos homens quem a portasse animado desta convicção. Por que se admirar se o oriental a guardava constantemente no dedo, e tomou a decisão de conservá-la eternamente para a sua família. Eis o que ele fez. Ele entregou o anel ao mais amado dos filhos, e ele decretou que este deveria por sua vez entregar o anel ao seu filho mais amado, e que perpetuamente ao mais amado, sem consideração de nascimento, pela única virtude do anel, este se tornaria o chefe, o primeiro de sua casa. Entendes-me, Sultão”.

Salahadin: “Eu entendo. Siga!”

Nathan: “Desta maneira, de pai para filho, este anel chegou finalmente à mão de um pai de três filhos que os três lhe obedeciam igualmente, a tal ponto que ele, conseqüentemente, amasse os três com a mesma medida de amor. Alguns momentos somente, às vezes este, outras vezes o outro e outras vezes o terceiro, quando cada um se encontrava a sós com ele e que os dois outros não partilhavam o transbordamento de seu coração, aquele lhe parecia digno de seu anel, que ele já teve a piedosa fraqueza de prometer a cada um deles, mas a morte se aproximava e o bom pai entrou no embaraço. Ele tinha pena de entristecer dois de seus filhos, que confiam na sua palavra. O que fazer? Ele enviou secretamente a um artesão, ao qual ele pede para fazer outros dois anéis a partir do mesmo modelo do seu, com a ordem de não economizar nem esforço e nem dinheiro para fazê-los em todos os pontos semelhantes a este. O artista executou o pedido com sucesso. Quando ele trouxe os anéis ao pai, este foi incapaz de distinguir seu anel que serviu de modelo. Contente e alegre, ele convocou seus filhos, cada em separado, deu a cada um sua bênção, e seu anel, e morreu. Tu me escutas, não é, Sultão?”

Salahadin: (que, emocionado, se afastou dele): “eu escuto, eu escuto! Termina logo esta tua história. Está próximo?”

Nathan: “Eu terminei. Pois a seqüência, doravante, decorre dela mesma. Apenas o pai morreu cada um chegou com seu anel e cada um quer ser o chefe da casa. Investiga-se, esforço perdido; impossível provar qual era o verdadeiro anel”. (Após a pausa, durante a qual ele ouve a resposta do Sultão) “Quase impossível  provar hoje, para nós  a verdadeira crença (religião)”.

Salahadin: “Como? Está aí toda resposta a minha pergunta?”

Nathan: “Peço desculpas simplesmente se eu não risco a distinguir os três anéis, que o pai pediu para fazer com a intenção de que não se poderia os distinguir”.

Salahadin: “Os anéis! Não me enganes! Eu acreditava, que malgrado tudo se poderia distinguir as religiões que eu te nomeie, até pelos vestidos, pela comida, pela bebida!”

Nathan: “De acordo, salvo no que concerne suas razões. Com efeito, não são todas elas fundadas a partir da história? Escrita ou transmitida? E a história não deve ser aceita unicamente pela palavra, pela fé? Ora, a palavra e a fé de quem se põem em dúvida? De si próprio, não é? Dos de nosso sangue, não é verdade? Não é daqueles que depois de nossa infância nos deram prova de seu amor? Quem jamais nos enganou que onde era melhor para nós de nos enganar? Como eu acreditaria menos em meus pais e tu nos teus? ou inversamente? Não pensas que isto também não seja igualmente verdade para os cristãos?”

Salahadin (a parte): “Pelo Deus vivo! Este homem tem razão. Eu devo me calar”.

Nathan: “Voltemos aos nossos anéis. Como eu já disse, os filhos foram à justiça e cada um jura que ele recebeu diretamente o anel das mãos de seu pai, o que é verdade! Após ter obtido dele, depois de longo tempo, a promessa de deleitar um dia do privilégio do anel, o que não é menos verdade! O pai, afirmava cada um, não poderia ter mentido; e, antes de deixar pairar esta suspeita sobre ele, este tão bom pai, preferiria necessariamente acusar de roubo de seus irmãos, se, aliás, sua intenção não fosse das melhores. Ele saberia, acrescentava cada filho, descobrir os traidores, e se vingaria”.

Salahadin: “E então, o que fez o juiz? Tenho a maior curiosidade em ouvir o veredicto que tu atribuis ao juiz. Fala”!

Nathan: “O juiz disse: ‘Façais, sem tardar, vir aqui vosso pai, ou eu vos expulso daqui. Pensais que estou aqui para resolver enigmas? Ou esperais que o verdadeiro anel comece a falar? Mas, esperem! Eu ouço dizer que o verdadeiro anel possui a virtude mágica de atrair o amor: de tornar-se agradável a Deus e aos homens. Eis aí o que decidirá! Pois os falsos anéis, eles, não terão este poder. Assim, pois, quem é entre vós que os dois outros amam mais? Vamos, dizei-o! Vós permaneceis calados? Os anéis não têm efeito somente em relação ao passado? Eles não brilham fora deste tempo? Cada um não ama senão ele próprio? Oh! vós sois todos os três de enganadores enganados! Vossos três anéis são falsos. É necessário admitir que o verdadeiro anel se perdeu. Para esconder, para compensar a perda, o pai pediu para fazer três por um”.

Salahadin: “Fantástico! Fantástico”!

Nathan: “E em conseqüência, continua o juiz, se vós não queirais seguir o conselho que eu vos dou no lugar do veredicto, saís! Meu conselho é o seguinte: tomais a situação como ela é. Se cada um possui o anel de vosso pai, então cada um, com todo certeza, considere seu anel como o verdadeiro. Talvez vosso pai não quisesse mais tolerar por muito tempo em sua casa a tirania de um único anel? E ele estava seguro de vos amar os três e de maneira igual, dado que ele se recusou a oprimir os dois favorecendo um de vós. Vamos! que cada um, com todo seu zelo, imite seu amor incorruptível e livre de todo preconceito! Que cada um de vós se esforce a manifestar em seu anel o poder da pedra! Que ele acompanhe este poder por sua doçura, por sua tolerância cordial, seus atos bons e entregue tudo isso a Deus! E quando, em seguida, as virtudes da pedra se manifestarão nos filhos de vossos filhos, então, eu vos convoco, em mil vezes mil anos, novamente diante deste tribunal. Então, um mais sábio, não eu, se sentará aqui, e pronunciará. Vamos! Assim falou o juiz modesto”.

Salahadin: “Meu Deus! Meu Deus!”

Nathan: “Salahadin, se tu sentes que é este homem sábio prometido pelo juiz...”

Salahadin (que se precipita sobre ele e lhe toma a mão, que não a abandona até o final): “Eu, poeira? Eu, nada! Ô Deus!”

Nathan: “Que tens então, Sultão?”

Salahadin: “Nathan! Meu caro Nathan! As mil vezes mil anos de teu juiz não são ainda transcorridas. Seu tribunal não é o meu. Vai! Vai! Mas seja meu amigo”.


Programa Bíblico
Jerusalém, 2009
Tradução: Prof. Elio Passeto, nds




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